No nosso percurso de vida todos nós passamos pelo questionamento. O ser humano é, por natureza, um ser inquiridor: afectado por tudo o que o rodeia não é indiferente, incorpora em si posições que tentam escapar à letargia da neutralidade. Assim, penso que podemos dizer que a dúvida alberga em si mesma maior riqueza que uma certeza infundada. Estremecendo todo o ser humano perante a dúvida, encontra elos numa sociedade feita de pontos de interrogação. Eis a tese de Doubt, um filme de John Patrick Shanley: A dúvida possui em si a riqueza ilimitada de infinitas possibilidades, sendo a marca da nossa humanidade, une o eu ao outro.
No écran desfilam personagens substancialmente bem construídas, com papeis e simbologias muito próprias. Entre elas, destacam-se Sister Aloysius, conservadora e defensora da certeza da fé, Father Brendan Flynn, um Padre apaixonante que profere um sermão sobre a importância da dúvida e Sister James, uma professora ingénua, mediadora do debate entre aqueles dois titãs da paróquia.
O filme é construído através de diálogos-imagens que nos arrebatam dos nossos lugares e nos impulsionam a entrar na tela. Quem é que nunca sentiu o seu mundo pessoal destruído por dúvidas? Mais: quem é que nunca se apaixonou por essa destruição, sentindo-se mais humano? É claro que o argumento se baseia principalmente na esfera da fé, mas pode ser projectado aos mais pequenos detalhes do quotidiano. Levantamo-nos e fazemos a nossa vida baseados em aparentes certezas, somos movidos por inclinações e palpites que nos aparecem como fundados em verdades consistentes e universais. Contudo, não será esta certeza baseada numa dúvida inerente a tudo?
Na esfera da fé, a aparente certeza que nos une a todos (ateus e teístas) é o culminar de uma teia de dúvidas que constituem a verdadeira comunhão: a de sermos movidos por uma sede interior que quer possuir a certeza, mediada pela dúvida que move as nossas verdadeiras acções. Quando falo em certeza não me refiro a possuir um deus ou deuses, mas uma bússola que governe o espírito. O ateu também acredita, não é desprovido de vida espiritual (que não se confundam as coisas, falamos de seres humanos, que fique bem sublinhado).
Este filme apaixonante trabalha este tema através de confrontos entre as suas personagens, culminando no triunfar da dúvida no seio da certeza. No final do dia todos somos humanos e, felizmente, gloriosamente imperfeitos.
Efeito Dominó - parte 4
Há 10 anos
2 comentários:
Parabéns pela ideia que escolheste para o post!
As crianças são muito curiosas e questionam-se sobre as razões que levam as coisas a serem como são. Porém, ao crescerem, muitos perdem essa capacidade. Conformam-se! "É assim porque sim.", dirão eles. Habituam-se ao que é normal.
Posso dar um exemplo. Um dia, o nosso excelentíssimo administrador de blog questionou-se por que razão as pessoas contavam os minutos de cinco em cinco, pois isso é uma discriminação em relação aos número terminados em outros algarismos. Recentemente, a resposta surgiu-me naturalmente. Como os relógios antigos eram sempre analógicos, ou seja, com ponteiros e doze números (com mais ou menos estilo), a tradição perdurou.
Então não se posta mais neste blog? Anda tudo a dormir?
Vamos lá mas é a postar!
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