Além do vinho, muitos outros elementos ainda mais simples afectam o comportamento humano. Um deles é o estado de sonolência. Desde o inicio desta minha estadia diurna em Lisboa tenho vindo a aperceber-me de magníficos efeitos proporcionados pela escassez de horas dormidas, não só em mim mas também nas outras pessoas que encontro. Claro que essa situação ocorre esporadicamente a cada um. Ora imaginemos como seria um início de dia em que tal acontecesse a várias pessoas propensas a encurtar o tempo de repouso oficial.
“Lá ia eu a correr para a camioneta! Tive de me atirar mesmo para a frente dela, para que o motorista parasse. Se não o fizesse, já sei que passaria por mim com aquele ar sarcástico que tão bem o caracteriza. Tive sorte, pois cheguei exactamente no momento certo - 7:28. Sentei-me lá atrás, junto a uma janela. Com aquele calor, claro que senti uma enorme vontade de dormir. Encostei a cabeça e esqueci-me de tudo. Voltei a abrir os olhos e não sabia onde estava. De repente, parecia-me que aquelas pessoas faziam parte de uma banda desenhada, alguns a dormir, outros acordados. Na estrada, os automóveis pareciam carrinhos de brincar. Fechei os olhos. Abri-os novamente. Já me encontrava perto da paragem em que era para sair, portanto havia que fazer um esforço para me manter acordada. A viagem terminou e percorri calmamente a distância que me separava do local onde ia ter aula. Não adiantava ter pressa, pois atrasada já estava de certeza.
Na sala, a distribuição dos alunos não era equilibrada. Alguns ficavam mesmo à frente da professora, outros o mais atrás possível, e ninguém ficava no meio. Já se adivinhava qual seria a minha escolha. Fui ter com uma colega que, apesar de ainda serem apenas 8:15, cabeceava em todas as direcções. Entretanto, ainda antes de me acomodar na maravilhosa cadeira vermelha, ouvi uma funcionária espirrar no corredor. Não consegui conter-me! A hilaridade tomou conta de mim e tive de tapar a boca com a minha grande mão. A senhora tornou a espirrar, e por essa altura já outro aluno sofria do mesmo mal que eu. A minha colega que cabeceava acordou, arregalou os olhos para mim e perguntou por que não me sentava eu.
Por fim, sentei-me e tirei folha e caneta do interior da mochila, recheada com diversos objectos alheios ao uso escolar. Tentei tirar apontamentos a partir do que a professora dizia. Doíam-me as pálpebras, e a minha colega retomara a sessão de cabeçadas no vazio. Pouco importava. Concentrei-me na professora, no seu olhar satisfeito dirigido aos alunos das filas da frente, aqueles que se deitavam antes da meia-noite… A minha cabeça começou a tombar-se para a frente, mas eu insistia em contrariar a tendência. Após cerca de vinte minutos de luta cruel e injusta, acabei por verificar que a minha folha estava toda rabiscada, das vezes em que o sono levara a melhor. Umas palavras, abreviaturas, riscos, riscos… Na linha seguinte, a mesma coisa, e na outra, e na outra. A partir daquele momento iria estar com atenção. Até a minha colega do lado estava acordada… (Mas não me tinha acordado! Ai linda… Ao chegar ao exame, não havia de copiar nada por mim…) Naquele instante, todas olhavam atentamente para uma rapariga, da fila de trás, que dormia refastelada com a cabeça encostada à parede e um sorriso estampado no rosto. Desatei a rir como se aquela beta adormecida fosse um fenómeno nunca visto. As raparigas mandaram-me estar calada, porque a professora já olhava para nós de modo ameaçador. Usei a parte traseira da folha de papel para desenhar a professora a ser violentamente agredida por uma arma branca. Dei uns retoques e, por fim, pedi que passassem o desenho para uma gótica simpática que estava na fila de trás a ler O Senhor dos Anéis. Ela rabiscou um pouco e reencaminhou a folha para mim. Ah! Lá estava a professora com a cabeça separada do corpo! Virei-me e acenei afirmativamente para a rapariga gótica. Ela retribuiu e prosseguiu a sua leitura.”
Qualquer semelhança entre isto e a realidade, não é coincidência, é concentração… Como os sumos Sunquick, nesse estilo…
2 comentários:
Bem, mas isto já deve ter sido há imenso tempo, porque agora és uma senhora licenciada(não à bolonhesa, lololol), e a frequentar um mestrado de investigação científica em Microbiologia.Não é para qualquer um!EHEHEHEHE.Beijocas miga
Foi há cerca de três ou quatro anos. Importa referir que tudo isto acontecia, mas não no mesmo dia! Actualmente, sinto saudades daqueles momentos...
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